Como aprendemos na escola, em Física, existe algo chamado INÉRCIA, que é uma propriedade da matéria, que, grosso modo, é: “se um corpo está parado, permanece parado, e se está em movimento, permanece em movimento -- até que haja uma força que aja sobre ele”.
Na Wikipédia até achamos uma definição simpática para isso: “Podemos interpretar seu enunciado da seguinte maneira: todos os corpos são ‘preguiçosos’ e não desejam modificar seu estado de movimento: se estão em movimento, querem continuar em movimento; se estão parados, não desejam mover-se.”
Em 2001, quando eu estava cursando minha pós-graduação em Campinas, muitos assuntos fora a Engenharia de Software (o curso em si) eram discutidos por mim e meus amigos Diego e Breno. Um desses assuntos que formulei na época é o que eu chamo de INÉRCIA ORGÂNICA.
O que é isso? Da mesma maneira que a Inércia Clássica atua sobre os corpos físicos, a Inércia Orgânica atua sobre as pessoas, seus organismos e suas atitudes. A IO utiliza as mesmas duas premissas: (A) “se um corpo está parado, permanece parado” e (B) “se está em movimento, permanece em movimento”.
Alguns exemplos de IO para demonstrar os itens A e B acima:
1) Uma pessoa que está dormindo quer continuar dormindo; e vai continuar dormindo (A), até que haja uma ação contrária a isso: um despertador, alguém chamando, algum barulho, horas a mais na cama até perder o sono, vontade de ir ao banheiro, etc.
2) Da mesma maneira, quem está acordado, quer continuar acordado (B), não quer ir para cama (isso acontece muito com crianças), e vai continuar acordado, sem dormir, até que alguma força atue ao contrário, assim como o atrito atua no corpo em movimento até que ele pare. Essa força contrária geralmente é o sono, ou até mesmo o cansaço ou a fraqueza. Mas quem tem insônia sabe bem que, sem esse atrito, vai continuar acordado, indefinidamente.
3) Quem está sem comer nada, vai continuar a não comer nada (A), a não ser que atue uma força contrária (a fome, a gula ou a vontade de comer). Em contrapartida, no momento em que a pessoa “belisca” algo, come um aperitivo qualquer, isso “abre o apetite”, e a pessoa quer comer mais, ou seja, sair do estado estático de não comer nada e continuar nesse estado dinâmico, de comilança (B).
4) O mesmo acontece para quem já está comendo: quer continuar comendo (B) até saciar fome ou a gula ou, pior, até que não agüente mais comer mais nada e passe mal. Nesses casos, essa satisfação natural ou mesmo o mal estar seriam as forças que impediriam que a pessoa continuasse comendo indefinidamente (sem contar outros fatores, como o tempo ou dinheiro que acabou).
5) Geralmente, quem está em repouso há um certo tempo, custa muito começar a se movimentar e fazer algo (A): isso pode ser facilmente observado nas segundas-feiras de manhã, quando o corpo, acostumado com um certo descanso do sábado e domingo, reluta muito em voltar para a rotina diária da semana útil e ter que ir para o trabalho ou para escola. Mas, depois, na terça ou quarta-feira, como já está em movimento e pegou o ritmo, já se acostuma a isso (B) -- embora haja um certo atrito (cansaço da semana e expectativa do final de semana) e na sexta-feira a pessoa já pede descanso de novo.
6) Assim como a idade escolar, quando saímos das férias e voltamos para a escola no começo do ano (A): o corpo não está nada acostumado com a rotina de acordar cedo e estudar, tudo parece muito difícil, parece que até mesmo a mão “desaprendeu” a escrever. Mas, depois de algumas semanas, já nos acostumamos com a rotina e pegamos o ritmo (B).
7) Quem está trabalhando, vai continuar trabalhando, vai querer terminar ou adiantar suas tarefas, fica até mais tarde, até que o cansaço vença ou fique muito tarde (B). Pois para quem já está no escritório por 8 horas, 1 ou 2 horas a mais acabam sendo até naturais dependendo da situação. Enquanto que as primeiras horas do dia de trabalho são as mais difíceis, já que é difícil sair do repouso do lar e pegar no batente (A), aí qualquer minuto que passa faz diferença. PS: não podemos entender isso da hora-extra como regra geral, pois o atrito (cansaço, preguiça, aborrecimento, tédio, etc.) contra a força de continuar trabalhando é de grande ocorrência e atinge a maioria.
8) É muito mais traumático começar a cursar uma faculdade (A) (principalmente para quem está muito tempo sem estudar), do que, para quem já está na faculdade, terminar o curso (B) (mesmo com os grandes atritos, que levam até a desistência do curso, muitas vezes).
9) Acordar cedo num final de semana para fazer alguma atividade física (A) é algo impensável para muitas pessoas; mas, depois que iniciam a atividade (seja futebol, academia, trilha, etc.), muitas não querem parar (B), o limite é mesmo o cansaço e o horário.
10) Até mesmo para a diversão o organismo e o cérebro “reclamam” de sair do repouso e começarem o movimento (A): é o caso de quem está em casa no sábado à tarde, dormindo no sofá, mas tem uma festa para ir à noite ou balada no começo da madrugada. Realmente, muitas vezes, dá uma preguiça para levantar, se arrumar e sair à noite. Mas depois que começa a festa, é difícil querer sair (B). O mesmo acontece para quem vai à praia no feriado, e reluta em acordar cedo para curtir a areia e o mar e acaba dormindo até tarde (A). Mas, depois que está na praia, reclama da hora de voltar para casa (B).
11) De forma parecida, acho muito mais difícil as crianças e jovens estudarem no período da tarde do que estudarem de manhã: acordar cedo e ir direto para escola não é fácil, mas ficar a manhã toda muitas vezes à toa (vendo TV, brincando, etc.) e depois disso ir para escola (A) é muito penoso.
12) Assim como quando eu estudava ou dava aula à noite: sair do trabalho e ir direto para a faculdade é uma coisa que dá para levar, pois o corpo e a mente já estão em movimento, mesmo cansados (B); mas, quando eu estava de férias do trabalho, ficar o dia todo descansando e depois sair de casa só ao anoitecer para ir à faculdade (A), eu achava muito mais difícil.
13) Eu tenho (e acredito que muitos também tenham) uma preguiça grande de ir para cozinha e começar a fazer preparar comida ou lavar louça (A). Às vezes deixo um copo e um talher na pia só para lavar mais tarde; e às vezes deixo de bater uma vitamina incrementada para tomar algo rápido, como um leite com achocolatado. Mas no momento que pego mesmo para fazer, aí continuo fazendo sem preguiça (B), na verdade até com certo prazer, de bater uma vitamina ou fazer um sanduíche com ingredientes diversos, experimentar novos, etc. Até para lavar louça a idéia é a mesma: a preguiça some quando se inicia a tarefa.
14) Muitos solteiros estão acostumados a continuarem solteiros, sem nenhum relacionamento sério. Pois estão acostumados a uma situação estática e não querem partir para algo novo, dinâmico, que envolve compromissos (A). E o contrário acontece com alguns casais, que já estão tão acostumados com a vida a dois e estão tão acostumados com aquela pessoa ao lado, que, mesmo que o relacionamento não seja dos melhores, querem continuar do jeito que está (B).
E eu poderia continuar com mais e mais exemplos aqui, pois, quando começo a escrever ou fazer algo, quero continuar escrevendo (item B). Mas acredito que a idéia principal da Inércia Orgânica já foi exposta, mesmo que eu tenha demorado quase dez anos para começar a escrever, tirar a idéia da cabeça e finalmente passar para o papel (conforme premissa A).
Leandro M.D.
6 de junho de 2010
6 de junho de 2010